Terça-feira, 6 de Fevereiro de 2007

contos da goldra - Avatares do momento

 

 

As gargalhadas ressoaram pela taberna quando Lúcio entrou a cambalear, mas diminuíram de intensidade à medida que a expressão dele adquiria um tom mais grave, Sem demoras, arranca num solavanco, e pontapeia uma mesa violentamente, fazendo estilhaçar copos e garrafas pelo chão, Mariazinha, filha do taberneiro, postou-se intimidada no ombro do pai, Alguns homens embriagados saíam, Um deles, retirou bruscamente uma garrafa da prateleira junto ao balcão, e sorrateiramente, pé ante pé, aproximou-se do desordeiro, e desferiu-lhe um golpe traiçoeiro na cabeça,  Lúcio caiu no chão, inanimado, sem que alguém movesse uma palha, Os olhos esbugalhados sobressaiam da cabeça, movendo.se de esguelha pelo espaço infinito, Um frio imenso, inunda.lhe o corpo, a neve cobre.o em camadas finas de flocos azuis,  Subitamente, nas paredes da tasca, abrem.se brechas do cimo ao fundo, e um liquido azul viscoso, mistura-se no azul celeste do céu, adquirindo a forma de querubins com grandes caudas voando em círculos,  No relógio de cuco pendurado na parede, os ponteiros giram vertiginosamente em sentido contrário, como se quisessem atingir o tempo original, o ponto de partida,  Sons melódicos alternam com badaladas no sino da igreja, Há cânticos gregorianos entoados por figuras esquálidas, suspensas numa corda em torno do pescoço, Um mar de lama põe em deriva dejectos putrefactos, Mariazinha sente as bochechas aumentar de tamanho, ganhando uma parecença batráquia, Os braços enformam as patas de um animal estranho, metade-mulher-metade-sapo, Pula-de-um-lado-para-o-outro, Um gesto inútil faz deslizar suavemente a mão dela sobre a mão dele, enquanto o corpo inerte de Lúcio é impulsionado ainda mais para o fundo, penetrando pela camada espessa de lodo até lhe cobrir os ombros, Afunda.se lentamente e balbuceia sons guturais,  No derradeiro esforço, em demanda da lucidez perdida, surgem-lhe imagens macabras de lobos que devoram crianças no bosque e dizimam pastores e rebanhos por inteiro

 Escrito por Ismael Umar 

 

publicado por Carpinteira às 20:46
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1 comentário:
De luisaderito@sapo.pt a 9 de Fevereiro de 2007 às 22:07
Nem com a prosa colorida cosegues um texto limpo de imperfeiçoes narrativas. Os teus contos são um blague.

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